Tempos atrás fui questionado sobre quais os fatores de sucesso, ou de insucesso, para iniciativas de inovação. Respondi ao entrevistador, mas esta pergunta ficou na minha cabeça durante semanas e a resposta que eu dei naquele momento não me pareceu conclusiva, até que um dia me dei conta que esta resposta nunca é conclusiva e que nunca ouvi uma resposta absoluta para esta pergunta. Esta constatação me deixou mais conformado, afinal se o mundo repleto de estudiosos, inovadores bem sucedidos, inovadores mal sucedidos, mestres, doutores, franco atiradores, … não tem a resposta, imagina um rapaz latino americano, lá de Santo Antonio da Patrulha?
Porém, lembrei que tive o privilégio de assistir um cara que até aquele dia eu considerava um coadjuvante (digno de Oscar, mas coadjuvante). O menino Steve Wozniak palestrou, ou melhor iluminou a cabeça de mais de 1.000 pessoas num evento histórico da PUC-RS para lançamento de um MBA.
Ao assistir o Woz falar sobre a forma como passou a desenvolver soluções tecnológicas, que posteriormente foram empacotadas como produto e que se transformaram na Apple a empresa que hoje tem o maior valor de mercado no mundo, me trouxeram de volta a questão dos fatores de sucesso para inovação. Porém desta vez iluminadas pela simplicidade da forma de pensar e compartilhar que esse gênio, que agora considero um protagonista digno de Oscar.
Vou ousar agrupar minha visão com a do Steve Wozniak e refazer minha resposta sobre os fatores que levam ao sucesso ou insucesso nas iniciativas de inovação.
Antes de listar os 5 fatores que considero mais importante, quero alinhar as expectativas sobre o que é inovação:
– Inovação não é só algo que vai mudar o mundo, algo que nunca foi pensado, algo disruptivo, um produto que vai escalar de forma global e massiva. Inovação é tudo isso, mas também é um novo modelo de negócios, um novo processo ou até mesmo uma estrutura que permita melhorias incrementais que irão mudar a vida das pessoas de forma orgânica.
Dito isso, vamos aos fatores que eu considero os mais importantes.
1.[Foco]
Como todos os demais fatores, este é bem conhecido de todos, fácil de entender e facílimo de perder.
Para ter foco precisamos nos concentrar em poucos problemas a serem trabalhados simultaneamente.
As principais palavras aqui são: poucos e problemas
Quando constituímos processos, unidades de negócio, startups, plataformas ou times para inovação e rapidamente geramos algum resultado de valor percebido estamos a um passo de perder o foco. A empolgação gerada pelos resultados iniciais e a visibilidade que estes resultados geram nos faz sentirmos muito seguros e caímos na armadilha de pegar várias demandas para implementar simultaneamente.
Várias demandas para implementar simultaneamente é o oposto de poucos problemas a serem trabalhados simultaneamente!
As iniciativas de inovação devem sempre partir de um problema não resolvido, onde descobriremos hipóteses de solução, que dependerão de viabilidade técnica e financeira para serem testadas, para provavelmente resolver total ou parcialmente o problema.
Demandas, muitas vezes disfarçadas de projetos, normalmente são crenças pré-formatadas para solução dos problemas, não necessariamente verdadeiras.
Quando partimos dos problemas para suas hipóteses de solução, estamos trabalhando num ambiente nebuloso com pouca clareza do que fazer e, portanto, só podemos nos dedicar a pouquíssimos casos ao mesmo tempo.
Quando adotamos o modelo de atender demanda, temos a falsa sensação de saber previamente tudo que precisamos fazer e, portanto, podemos mensurar esforços necessários e paralelizar muitas frentes de trabalho.
Portanto ao receber o “desafio” do investidor, diretor ou presidente para crescer ou acelerar o “processo de inovação” fujam para as colinas!!!
Escalar é possível, mas cada estrutura deve ter um número limitado de problemas a ser resolvido e entenda por número limitado algo muito próximo a 1.
Para ter foco o time deve se apropriar do problema e depois buscar a solução.
Steve Wozniak ilustrou isso dizendo que ele queria resolver problemas que ele tinha com a tecnologia. Por exemplo ter um computador pessoal com tela colorida!
2. [Tolerância ao erro]
Fator bem falado e pouco praticado, ultimamente até questionado.
Aceitar erros é mais difícil para o responsável pelo negócio tradicional na operação atual e seus resultados de curto prazo.
Muitos executivos foram treinados para o erro zero, para a competitividade extrema, para gerar o maior resultado operacional maximizando o capital investido e sendo avaliado por métricas financeiras, quantitativas ou até qualitativas que represente a eficiência operacional. Neste cenário o erro é retrabalho, ineficiência, perda de produtividade e aumento de custo.
Porém quando estamos em busca de uma solução desconhecida para resolver um problema conhecido, não há como esperar erro zero. Buscar erro zero em ambiente de incerteza é incentivo a não correr risco, a não tentar, a não experimentar. Então como inovar se não podemos fazer diferente?
Contudo a tolerância ao erro, é a tolerância ao erro honesto, o erro novo, o erro inédito, o erro que que a contrapartida traz aprendizagem, conhecimento experiencia. Desta forma os erros precisam ser mais que tolerados, precisam ser analisados, entendidos e avaliados sob a dimensão do aprendizado gerado.
E aqui muito cuidado para não confundir tolerância ao erro com teimosia. A linha que separa a persistência da teimosia é tênue! Na persistência analisamos os aprendizados e refatoramos da ideia, na teimosia não aprendemos nada e mantemos o mesmo rumo, ou abandonamos tudo jogando a criança fora junto com a água do banho.
Steve Wozniak materializou isso na implementação da Siri, que ainda contém muitos erros, mas é a tentativa de resolver um problema que ele sempre quis resolver: A máquina deve aprender a se comunicar com o ser humano e não o ser humano aprender a se comunicar com a linguagem da máquina.
Com o tempo a tolerância ao erro virou desculpa para baixa habilidade cognitiva, falta de análise dos erros anteriores nossos ou até dos concorrentes e até mesmo para a preguiça e falta de comprometimento.
Em uma determina situação da minha vida de executivo, a companhia em que trabalhava vivia a euforia da inovação, conforme citado no item um, porém com baixíssima tolerância ao erro, então em uma reunião com um vice-presidente eu falei. “- Estamos em um momento de promover a inovação e eu percebi que toda a inovação que ficar provada que dará certo a alta direção aprova o investimento imediatamente. Porém inovação que é possível comprovar sucesso não é inovação, poderíamos chamar de cópia”. Alguns sorrisos tímidos, porem concordados foram registrados na reunião.
A dificuldade de manter a operação gerando resultados no curto prazo, na mesma gestão da inovação com foco no longo prazo nos leva ao próximo fator.
3. [Ambiente segregado ou integrado aos negócios maduros? ]
A operação engole a inovação.
Muito já se discutiu sobre esses modelos e assim como muitos aspectos de trabalhar com incertezas não há uma resposta totalmente certa ou errada.
Os modelos que apresentam um índice maior de acerto são onde a área de inovação foi segregada da operação, e que irá facilitar muito a implementação dos dois primeiros fatores, foco e tolerância ao erro.
Um ambiente com processos, pessoas e tecnologia desenhados para experimentação, mudança de direção e especialmente construído com a premissa que nada é definitivo, onde as próprias pessoas, processos e tecnologia podem mudar no mesmo ritmo que as descobertas e evolução das hipóteses obviamente será mais leve e irá incentivar a busca pelo novo. Os critérios de avaliação não serão os resultados de curto prazo, o EBTDA ou o market share e sim a evolução das hipóteses. Neste ambiente olharemos sempre o filme, nunca a foto. A foto sempre será caótica, mas o filme nos mostrará a evolução ou involução das hipóteses.
Implementar ambientes de inovação integrados a operação dos negócios maduros tem um grande benefício que é a empatia, o entendimento do negócio, a proximidade com a vida real. Porém como exigir que os stakeholders dediquem atenção e energia para o longo prazo enquanto tem que matar um leão por dia para salvar o curto prazo e talvez suas próprias posições que são avaliadas pelo resultado de curtíssimo prazo?
Sim, temos alto risco de passar a mensagem de que uns trabalham outros se divertem ou que criamos uma área que pensa em inovar então todas as demais áreas estão dispensadas de inovar ou ser criativas. Sim, um mal necessário.
Nesse momento sempre me vem mente as brilhantes aulas de Gestão da Inovação do Prof. Rivadávia Correa Drummond de Alvarenga Neto, que com alta capacidade didática, conhecimento raro do tema e habilidade cognitiva singular, nos apresentou este fator através do livro o Dilema da Inovação do Clayton M. Christensen e do estudo de caso da DoCoMo( PELTOKORPI, V.; NONAKA, I.; KODAMA, M. (2007). NTT DoCoMo’s launch of i-mode in the Japanese mobile phone market: A knowledge creation perspective. Journal of Management Studies, 44, 50-72).
Não deixe de ler este trabalho do Chun Wei Choo e do Rivadávia Correa Drummond de Alvarenga Neto.
Steve Wozniak lembrou que quando trabalhava na HP, saia do trabalho e ia para o ambiente da sua casa, com suas ferramentas e seus discos, trabalhar com foco em um problema que ele tinha, para melhorar a vida de todos que tinham o mesmo problema. Na HP ganhava dinheiro e resolvia o custo prazo de pagar suas contas, em casa trabalhava em seus ideais de longo prazo.
4. [Funding]
Não se trata de orçamento, se trata de recursos para investimento, que podem ser uma excelente opção para seu negócio/ideia se alavancar no mercado.
Quem financia o novo é investidor e não administrador.
O gosto por correr riscos e ganhar (ou perder) muito é uma habilidade de um investidor e não de um gestor, mas é obvio que podemos ter um único ser humano ou um grupo deles com dois papeis.
Quando estamos trabalhando com inovação, focados em encontrar hipóteses para resolver um problema, em um ambiente propicio a este trabalho é óbvio que não podemos trabalhar com ROI.
O modelo de gestão e a relação com o investidor é completamente diferente dos negócios maduros, nos ambientes de inovação trabalhamos com contratos de pós-pago sem fidelização, já em negócios maduros operamos com modelos pré-pago com fidelização. Vou me socorrer dos aprendizados que recebi de um ciclista amador, que após uma passagem de sucesso pelo Google, me deu a honra de compartilhar seus conhecimentos por alguns meses, obrigado Marcelo Quintella.
Quando estamos trabalhando com inovação, desenvolvimento de hipóteses, pesquisas e incertezas, mesmo num ambiente corporativo, estabelecemos uma relação de investidor e startup, onde apresentamos uma hipótese de solução, para o problema em questão, com os recursos necessários para desenvolver o trabalho e os resultados esperados num horizonte de curto prazo (+ou- 3 meses).
Caso o investidor (Diretor, VP, CEO) compre seu plano ou seu pitch, vamos estabelecer uma relação de pré-pago sem fidelização. Desta forma vamos trabalhar por 3 meses, apresentar os resultados gerados no período e o que esperamos gerar no próximo ciclo de 3 meses. Dito isto o investidor pode decidir se mantem, reduz ou amplia o funding, lembrando que 9 mulheres não geram um bebe em 1 mês, e que ½ mulher não gera um bebe em 18 meses. Ou seja, tem um número mínimo e máximo para cada caso. Atenção! Momento fértil para você cair no “desafio” do fator 1 [Foco].
No modelo tradicional de projeto temos um modelo onde pré-pago e fidelizado. Aprovamos o escopo, prazo e investimento total, ou seja, todo o investimento foi aprovado para uma solução previamente definida que trará um resultado conhecido/esperado. Zona de conforto durante a construção e descobriremos os resultados no final da fidelização. Mudanças de direção não são naturais neste modelo.
A inovação passa por inovar no processo de gestão, inclusive.
Então vamos criar startups dentro das grandes corporações? Sim, mas este é assunto para um outro post ou para um café com o pessoal da www.bmodal.com.br/home
Neste ponto o Steve Wozniak, falou da grande importância do Regis McKenna, que ajudou a Apple a se profissionalizar e estabelecer uma relação com o mercado e os investidores.
5. Time heterogêneo
A diversidade amplia a visão.
Aqui já começo com o grande recado de Steve Wozniak.
Se você vai montar um negócio você precisa de pessoas boas em três disciplinas:
- Negócio – você precisa de alguém que tenha visão do produto e do negócio que você vai construir. O grande papel de Steve Jobs na Apple
- Engenharia – você precisa de alguém excelente em engenharia, que queira aplicar seus conhecimentos e favor da solução do problema e que isso posso ser muito bom para que ele se orgulhe de mostrar a seus colegas engenheiros. Esse era o Papel do Wozniak na Apple
- Marketing – você precisa alguém que conheça a relação dos clientes com seu produto, qual o sentimento que eles têm com o produto e como se relacionam com isso. Esse conhecimento direciona o negócio, o produto e as soluções técnicas. Esta foi a grande contribuição do Regis McKenna na Apple e percebam que este é um conceito de muito marketing menos publicitário.
Em ambientes de inovação precisamos o time mais heterogêneo possível, com alguma contribuição para a solução do problema. Quando falo de heterogêneo é no perfil profissional (negócio, ux/ui, tecnologia sw, tecnologia infra, métricas), raça, religião, formação acadêmica, classe social e qualquer outra dimensão do ser humano que possa trazer um novo ponto de vista ao problema e a solução.
Nós temos nosso ponto de vista, mas lebre que ponto de vista é a vista de um único ponto.
Vou me permitir usar um exemplo exagerado (licença poética), correndo o risco de ser apedrejado pelos profissionais:
Se você contrata somente um engenheiro para projetar sua casa, você terá uma casa muito resistente, sem paredes trincadas, com um único telhado que jamais terá goteiras. Porem será visualmente pobre (feia).
Se você contrata somente um arquiteto para projetar sua casa, você terá uma casa linda, com uns seis telhados e com várias rachaduras nas paredes e que choverá dentro quase igual na rua.
Portanto contrate um engenheiro E um arquiteto, uma equipe multidisciplinar que irá projetar uma casa linda, resistente e sem goteiras.
Respeite o especialista, lhe apresente ao problema e deixe que ele aplique seu conhecimento, acadêmico e sua experiencia de vida para apresentar a solução.
Os especialistas serão incluídos no time conforme o problema e a solução evoluem, fique atento!
Acredito que agora a minha resposta sobre quais os fatores determinam maior ou menor sucesso na inovação ficou mais completa.
Esta é só a minha resposta e é a resposta de hoje, amanhã pode ser um pouco diferente e depois de amanhã ser completamente diferente. Alguns podem achar que é falta de convicção e eu diria que é mesmo.
Abraço aos que chegaram até aqui e ganharam o direito de me corrigir, elogiar, discordar, compartilhar ou até mesmo ignorar.